O potencial terapêutico da cannabis: avanços e desafios na pesquisa clínica no Brasil.
A Cannabis sativa, nome científico da cannabis, conhecida popularmente como maconha ou marijuana, é uma espécie de planta da família Cannabaceae, nativa da Ásia Central e do Sul, que agora é cultivada em todo o mundo. Muito se estuda acerca de suas propriedades medicinais, a planta contém compostos químicos chamados canabinóides, incluindo o THC(tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol), que afetam o sistema endocanabinóide do corpo humano, envolvido em funções como dor, sono, apetite e humor.
Os estudos com cannabis medicinal no Brasil iniciaram-se em meados dos anos 1990,com a publicação de alguns estudos pioneiros sobre o uso da maconha para tratamento de dor e esclerose múltipla. Desde então, estudos clínicos estão sendo conduzidos em diversas áreas terapêuticas, tais como condições gastrintestinais, tratamento da aterosclerose, inibição da angiogênese, alívio de sintomas de Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica e síndrome de Tourette; para transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade; depressão, lesão cerebral, tratamento da epilepsia e outros. Muitos desses estudos são realizados com extratos padronizados de cannabis, que são formulados para ter concentrações específicas de canabinóides.
Além dos ensaios clínicos que avaliam a eficácia da cannabis, são realizados simultaneamente estudos laboratoriais que investigam os mecanismos de ação dos canabinóides e seus efeitos no corpo humano. Em 2015, a Agência Nacional de VigilânciaSanitária (ANVISA), aprovou a primeira autorização para a importação de produtos à base de cannabis para uso medicinal no Brasil, o que ajudou a impulsionar ainda mais a pesquisa sobre o assunto no país.
De acordo com a ANVISA, os medicamentos à base de cannabis devem passar por testes de qualidade, eficácia e segurança, seguindo os mesmos padrões estabelecidos para outros medicamentos. No Brasil, a norma que estabelece requisitos para testar e aprovar medicamentos à base de cannabis é a RDC 327/2019. Essa resolução regulamenta o registro de medicamentos à base de cannabis no país, estabelece os requisitos para a realização de estudos clínicos e a comprovação de eficácia e segurança dos medicamentos, além disso, a norma estabelece requisitos para a fabricação e controle de qualidade dos medicamentos, incluindo a adoção de boas práticas de fabricação, controle de matéria-prima e produto acabado, rotulagem adequada, entre outras medidas que garantam a segurança do produto.
Embora muitos estudos sejam realizados, a pesquisa sobre o uso medicinal da cannabis é limitada em comparação com outras áreas terapêuticas, os principais impasses estão relacionados a legalidade do cultivo e comercialização da planta, que dificulta a obtenção de matéria-prima dos compostos e atrasa a realização de estudos clínicos bem projetados. No entanto, muitos especialistas acreditam que os estudos clínicos em andamento estão contribuindo significativamente para o conhecimento e aprofundamento científico sobre as propriedades da planta. No Brasil, há uma crescente demanda e interesse na pesquisa clínica com cannabis, isso permitiu o surgimento de centros de pesquisas especializados nessa área. O primeiro centro de Pesquisas em Canabinóides do Brasil foi inaugurado em 2019, na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Atualmente, os centros de pesquisa especializados estão, em sua maioria, vinculados às Universidades Estaduais e Federais brasileiras, mas é possível encontrar pesquisas em centros privados como o 3F Clinical Trials, bem como centros de pesquisas vinculados aos hospitais privados, como o Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein.
De acordo com os Registros Brasileiros de Pesquisa Clínica (REBEC), no Brasil estão sendo conduzidos aproximadamente 11 estudos com cannabis e derivados, 7 deles estão concentrados no estado de São Paulo, 2 na Paraíba, 1 em Santa Catarina e 1 no Paraná. As patologias envolvidas nas pesquisas envolvem câncer, crianças autistas, doença de Parkinson, Fibromialgia, Endometriose, Alzheimer, Transtorno de ansiedade, Insuficiência Cardíaca e Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Em resumo, a Cannabis sativa tem se mostrado uma planta de grande potencial terapêutico, com diversos estudos científicos em andamento que buscam compreender melhor seus efeitos no corpo humano e sua eficácia no tratamento de diversas patologias. Embora a legalidade do cultivo e comercialização da planta ainda seja um impasse para a realização de estudos, o Brasil tem avançado no campo da pesquisa clínica com a cannabis e já conta com locais especializados e estudos em andamento em diferentes estados. O aumento da demanda e interesse nessa área pode trazer grandes avanços para a medicina e proporcionar tratamentos mais eficazes para diversas doenças. Dessa forma, é importante que haja um esforço contínuo para regulamentar e incentivar a pesquisa com cannabis no país.
Referências Bibliográficas
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